. Por Leonardo
Sakamoto, em seu blog
Um pai deve compartilhar as tarefas relativas à
formação de seu filho ou sua filha. Isso é o básico, não é favor. Afinal de
contas, tarefas domésticas ou familiares não são incumbência de determinado
gênero, mas responsabilidade de pais e mães. Se você fica orgulhoso por “ajudar
sua mulher em casa'' e acha que merece um troféu de Maridão do Ano, rapaz,
acorde. Você está no século 21, não faz mais do que sua obrigação.
Dito isso, quase fundi meu cérebro tentando entender
o que passou pela cabeça do presidente interino Michel Temer ao convocar a
imprensa para registrar o momento em que buscou, ao lado de sua esposa, seu
filho em uma escola de Brasília.
Na tentativa de melhorar sua imagem junto à
população, quis demonstrar que é uma pessoa igual a todas as outras e apanhou o
mancebo em seu primeiro dia de aula depois da mudança para a capital.
Mas o circo montado soou tão fake, forçado e
artificial que me deu play num verso do “Canto de Ossanha'', de Vinícius de
Moraes e Baden Powell: “O homem que diz 'sou' não é''. Para quem acompanhou a
cobertura pela rede, ficou a impressão de que o tiro saiu pela culatra.
Isso sem contar que foi um uso um tanto quanto
discutível de uma criança em uma tentativa de autopromoção. Mas para quem
colocou dois imóveis utilizados como escritório que valem mais de R$ 2 milhões
no nome do filho de sete anos, alegando o direito de antecipação de herança,
digamos que o circo foi o de menos.
Particularmente, como assessor de comunicação, caso
ele realmente quisesse insistir nesse erro, eu o aconselharia a algo menos
traumático para as outras crianças e famílias da escola que não queriam aquele
tipo de exposição, mas acabaram pagando o pato sem querer. Aliás, pagar pelo
pato dos outros é o que mais estamos fazendo ultimamente.
Por exemplo, não chamar os colegas jornalistas e
divulgar, horas depois, apenas uma foto tirada discretamente pela sua
assessoria. Talvez incluindo um comentário de Michel sobre a importância de
dividir as tarefas familiares em um país em que, segundo a Organização
Internacional do Trabalho, homens gastam 9,5 horas semanais com afazeres
domésticos, enquanto que as mulheres que trabalham dedicam 22 horas semanais
para o mesmo fim.
Com isso, apesar da jornada semanal média das
mulheres no mercado ser inferior a dos homens (36 contra 43,4 horas, em termos
apenas da produção econômica), a jornada média semanal das mulheres alcança 58
horas e ultrapassa em mais de cinco horas a dos homens – 52,9 horas – somando
com a jornada doméstica. Ou 20 horas a mais por mês. Ou dez dias por ano.
Isso sem falar que, quando um casal trabalha fora
terceiriza o serviço doméstico, normalmente, para outra mulher, seja ela babá,
faxineira ou cozinheira. E, diante da possibilidade de pagar os direitos
trabalhistas a quem faz o trabalho doméstico, parte da classe média pira e diz
que tudo isso é muito injusto.
No Brasil, brincar de casinha é coisa de menina.
Enquanto isso, fazer política é coisa de menino.
Como o ministério de Michel, composto de homens, brancos, héteros.
Mas uma nota assim, reafirmando direitos
trabalhistas, seria difícil surgir.
Porque traria à tona, além das contradições sobre a
falta de equidade de gênero na Esplanada dos Ministérios, a defesa de algo que
o governo já avisou que quer dilapidar – implodindo a CLT e dificultando a
aposentadoria de quem está na ativa.
Espero que quando “nosso presidente'' sancionar
propostas, como a que amplia a terceirização e a que sobrepõe o negociado ao
legislado mesmo em caso de perda para o trabalhador, ou a que estabelece uma
idade mínima para se aposentar (que, na prática, pode excluir da Previdência
Social os trabalhadores braçais pobres que morrem cedo neste país), também
chame a imprensa para registrar o momento em que assinará a regressão ao
passado. Será uma imagem muito mais sincera, coerente e natural que o circo
armado na porta da escola.
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