"Nós, pesquisadores e professores
universitários brasileiros, dirigimo-nos à comunidade acadêmica internacional
para denunciar um grave processo de ruptura da legalidade atualmente em curso
no Brasil.
Depois de um longo histórico de
golpes e de uma violenta ditadura militar, o país tem vivido, até hoje, seu
mais longo período de estabilidade democrática – sob a égide da Constituição de
1988, que consagrou um extenso rol de direitos individuais e sociais.
Apesar de importantes avanços sociais
nos últimos anos, o Brasil permanece um país profundamente desigual, com um
sistema político marcado por um elevado nível de clientelismo e de corrupção. A
influência de grandes empresas nas eleições, por meio do financiamento privado
de campanhas, provocou sucessivos escândalos de corrupção que vêm atingindo
toda a classe política.
O combate à corrupção tornou-se um
clamor nacional. Órgãos de controle do Estado têm respondido a esta exigência
e, nos últimos anos, as ações anticorrupção se intensificaram, atingindo a
elite política e grandes empresas.
No entanto, há uma instrumentalização
política desse discurso para desestabilização de um governo democraticamente
eleito, de modo a aprofundar a grave crise econômica e política atravessada
pelo país.
Um dos epicentros que instrumentaliza
e desestabiliza o governo vem de setores de um poder que deveria zelar pela
integridade politica e legal do país.
A chamada “Operação Lava Jato”,
dirigida pelo juiz de primeira instância Sérgio Moro, que há dois anos
centraliza as principais investigações contra a corrupção, tem sido maculada
pelo uso constante e injustificado de medidas que a legislação brasileira
estabelece como excepcionais, tais como a prisão preventiva de acusados e a
condução coercitiva de testemunhas. As prisões arbitrárias são abertamente
justificadas como forma de pressionar os acusados e deles obter delações contra
supostos cúmplices. Há um vazamento permanente e seletivo de informações dos
processos para os meios de comunicação. Existem indícios de que operações policiais
são combinadas com veículos de imprensa, a fim de ampliar a exposição de seus
alvos. Até a Presidenta da República foi alvo de escuta telefônica ilegal.
Trechos das escutas telefônicas, tanto legais quanto ilegais, foram
apresentados à mídia para divulgação pública, ainda que tratassem apenas de
assuntos pessoais sem qualquer relevância para a investigação, com o intuito
exclusivo de constranger determinadas personalidades políticas.
As denúncias que emergem contra
líderes dos partidos de oposição têm sido em grande medida desprezadas nas
investigações e silenciadas nos veículos hegemônicos de mídia. Por outro lado,
embora não pese qualquer denúncia contra a Presidenta Dilma Rousseff, a
“Operação Lava Jato” tem sido usada para respaldar a tentativa de impeachment em
curso na Câmara dos Deputados – que é conduzida pelo deputado Eduardo Cunha,
presidente da Câmara dos Deputados e oposicionista, acusado de corrupção e
investigado pelo Conselho de Ética dessa mesma casa legislativa.
Quando a forma de proceder das
autoridades públicas esbarra nos direitos fundamentais dos cidadãos,
atropelando regras liberais básicas de presunção de inocência, isonomia
jurídica, devido processo legal, direito ao contraditório e à ampla defesa, é
preciso ter cautela. A tentação de fins nobres é forte o suficiente para
justificar atropelos procedimentais e aí é que reside um enorme perigo.
O juiz Sérgio Moro já não
possui a isenção e a imparcialidade necessárias para continuar responsável
pelas investigações em curso. O combate à corrupção precisa ser feito dentro
dos estritos limites da legalidade, com respeito aos direitos fundamentais dos
acusados.
O risco da ruptura da legalidade, por
uma associação entre setores do Poder Judiciário e de meios de comunicação
historicamente alinhados com a oligarquia política brasileira, em particular a
Rede Globo de Televisão – apoiadora e principal veículo de sustentação da
ditadura militar (1964-1985) -, pode comprometer a democracia brasileira,
levando a uma situação de polarização e de embates sem precedentes.
Por isso gostaríamos de pedir a
solidariedade e o apoio da comunidade acadêmica internacional, em defesa da
legalidade e das instituições democráticas no Brasil".
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