A
carência de médicos, potencializada pela
falta de uma política de estado para a saúde é grave. Mas tão grave quanto é o
bisturi ideológico , corporativista e meio xenófobo, da Associação Médica
Brasileira e alguns conselhos regionais de medicina
Messias
Mendes
Saúde
não pode ser programa de governo, mas política pública de estado, porque os
governos mudam, o estado, não. A falta
de médicos nas regiões mais pobres do país não é de agora, porém só agora o
governo federal decidiu encarar a situação de frente. E o faz num rompante,
atropelando a lógica de um mercado de
trabalho muito complicado. Poucas categorias profissionais são tão
corporativistas quanto a categoria médica
e por isso, mexer com ela é cutucar
a onça com vara curta. Mas como disse um amigo reumatologista, “esse é o tipo do
episódio da casa que falta pão, onde todos brigam mas ninguém tem razão”.
Precisamos
de médicos? Precisamos, sim senhor. O Brasil tem medicina de ponta, mas falta médico lá na ponta. Pressionado pela
realidade dos fatos, o governo brasileiro, então, achou uma saída. Não chega a
ser a pedra filosofal, mas é uma tentativa
válida de resolver o problema. Ao anunciar sua intenção de importar médicos, abriu vagas em vários rincões do país , para
médicos brasileiros que, reconheça-se,
não se mostraram interessados nesse processo de descentralização, apesar
do nada desprezível salário de R$ 10 mil.
A
presidente Dilma Rousseff, até usando como referência países desenvolvidos que
são grandes importadores de médicos, “mandou ver” no programa MAIS MÉDICOS, via medida
provisória. Pouco se deu conta de que mexia num poderoso vespeiro. Resultado: a
Associação Médica Brasileira passou a
torpedear a importação, de maneira aberta e pouco republicana. Pior: elegeu os
médicos cubanos como inimigos número um do país, até com ameaça de chamar a
polícia.
Os
médicos brasileiros, que falam grosso pela sua associação nacional e alguns
conselhos regionais sentem-se ofendidos porque o governo resolveu trazer profissionais de outros países para
ocupar as vagas que os daqui não quiseram.
E meio que na marra, quase a fórceps,
o Ministério da Saúde tirou o programa da gaveta, trazendo médicos argentinos,
espanhóis, portugueses e cubanos, entre outros. Mas os cubanos são malditos,
podem ser presos porque a AMB , com seu bisturi ideológico, não os aceita.
Por
que será? Todo mundo sabe que a medicina cubana é referência mundial em várias
especialidades. Os médicos cubanos são bem formados, tanto que Cuba exporta
seus profissionais, até na fase de residência, para vários países,
principalmente do Oriente Médio e da
África.
O
discurso da classe (conceito de classe à parte, não tem como negar que os
médicos são uma classe) é de que não falta médico no Brasil, faltam condições
de trabalho. Verdade incontestável essa.
E para municípios pequenos que não
oferecem boas condições de trabalho
médico nenhum quer ir. Estão os médicos errados? Claro que não. Escolher
onde morar, onde trabalhar, onde viver, é uma prerrogativa do cidadão livre. Mas
a prerrogativa não justifica a
sabotagem, muito menos que os interesses corporativos podem servir de pretexto para fazer refém um sistema público enfermo.
Em países desenvolvidos como Inglaterra e Estados Unidos, suprir de médicos as
comunidades mais distantes dos grandes centros urbanos já faz parte de uma
agenda social de estado e não apenas de governo.
Alguém
poderia imaginar carência de médicos no Reino Unido, nos EUA e países
escandinavos, caso da Noruega, por exemplo? Mas a carência existe de fato. Como
de fato, aqui a carência é bem maior, como grande também, é o apego à zona de conforto
em que a esmagadora maioria dos médicos se encontra.
Claro
que o programa MAIS MÉDICOS não busca milagre e nem altruísmo nos
profissionais, posto que “curar é finalidade secundária da medicina, se tanto”,
na avaliação do engajado Dráuzio Varela. O que o país precisa mesmo, e isto acredita-se que os “importados”
trarão, é uma postura mais humanista, diante da cruel
realidade do SUS.
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. Este artigo foi publicado na página 2 do O Diário do Norte do Paraná, edição de 27/08/2014
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