A esquerda está voltando na América Latina, não mais por meio de uma
onda vermelha, mas surfando em onda rosa. As forças progressistas de centro e
até algumas de direita, se convenceram, afinal, de que derrotar Bolsonaro em
2022 é uma questão de civilidade. E isso hoje só seria possível com Lula. E
Lula sabe hoje, como sabia em 2002, que uma aliança só com os partidos de
esquerda é jogar fora a água da bacia com criança e tudo. Por isso, ele costura
a sua chapa com Geraldo Alkmin na vice e a possibilidade de ter ao seu lado até
partidos como o PSD de Kassab.
Não, não torça a cara para o arco de alianças que está sendo construído
e nem precisa simular ânsia de vômito. Até porque, Lula sabe que se ganhar a
eleição sem uma base sólida de sustentação no Congresso Nacional , seu novo
governo correrá o risco de se tornar refém do centrão, o bloco parlamentar do
toma-lá-dá cá , composto pela turma do “mamãe eu quero mamar...”
Comentários
O mestre de A revolução burguesa no Brasil lembra que o rompimento com o estatuto colonial e a instalação da monarquia constitucional, uma transação das elites senhoriais (e a conciliação é sempre uma traficância em que predomina a vontade da casa-grande), se fizeram sem consideração a princípios ou ideias liberais, empenhadas que estavam as forças dominantes na preservação do latifúndio e seus interesses associados, como a defesa da propriedade e da escravidão, irmãs siamesas. Ou seja, o avanço haveria de ser, sempre, mínimo, tão só aquele milímetro necessário para esfriar as tensões, evitando qualquer abalo na arquitetura da organização do poder. Assim, e por tais artes, as “reformas liberais” foram feitas pelos conservadores, como na abolição da escravatura, garantindo-se a classe dominante da preservação do statu quo ante, cuja essência era a intocabilidade do regime de propriedade da terra.
Em 1822 o Brasil colonial se projetou sobre o estado independente, e o latifúndio sobreviveria na República dos plantadores. O poder dominante permanece o mesmo; as alterações, mínimas, superficiais, se operam pela reiteração e pela acomodação, jamais pela ruptura.
O pavor à mudança é o tempero da política de conciliação mediante a qual a classe dominante amarra o embate social no ambiente da casa-grande, que o manipula: “A conciliação empequeneceu muitos líderes e não foi feita para benefício do povo e do país, e sim para defesa de interesses minoritários, já que aparou as divergências pessoais e não solucionou os problemas prático-reais do povo” (José Honório Rodrigues, Conciliação e reforma no Brasil), porque simplesmente o povo não é sujeito-histórico.
As mudanças, traficadas por uma classe dominante aferrada à convicção da continuidade, quase sempre se acrescentam ao passado, raramente o suprimindo.
Nossa história é profundamente conservadora. Fomos dos últimos no processo da independência, o último a abolir a escravidão, a derradeira monarquia. Discutimos a reforma agrária desde pelo menos a frustrada Constituinte de 1823, com o texto de José Bonifácio.