A corrupção é disseminada no Brasil faz tempo.
Frequentou os salões da ditadura militar, tomou conta do governo Collor, surfou
no período Sarnei, fez pose na antessala dos governos FHC, dançou rumba no período
Lula, costeou o alambrado no governo Dilma, deitou e rolou com Temer e faz a
maior festa, sem ser incomodada, no governo Bolsonaro.
O fenômeno da corrupção , infeliz e desgraçadamente,
faz parte do nosso cotidiano, está na gestão pública, mas está também nas
relações sociais. Faz parte da cultura das nações, está entranhada na cultura
brasileira. Getúlio Vargas se suicidou num momento em que a oposição, liderada
por Carlos Lacerda, colocava o seu governo sob suspeita.
JK, que foi
tido como o presidente mais empreendedor da nossa história não escapou da pecha
de corrupto. Jango não chegou a ser diretamente relacionado à corrupção, porque
o anticomunismo tosco era a paranoia da direita naquele momento. E mesmo sendo
um estanceiro, João Goulart era visto pelas elites nacionais como um “perigo
vermelho”.
Enfim, a corrupção está presente em toda a história
da república, contaminando o tecido social e sendo potencializada pelo poder
público em todas as suas instâncias, pois é nele que está a “bolsa da viúva”. O
que parece fora de propósito é o discurso da atualidade, que coloca Lula e o PT
como inventores da corrupção no Brasil. Muitos dizem isso sem a maior sem
cerimônia, simplesmente porque estão contaminado pela pregação falso-moralista
de um certo Jair Messias, chefe do clã da rachadinha e pai do orçamento
secreto.
Comentários
“Dizia-se que era preferível ser roubado por um pirata em alto-mar do que aportar no Brasil. A elite colonial é a mesma que está hoje no poder, com a mesma mentalidade, de estar numa terra em que pode enriquecer sem qualquer escrúpulo”, afirma a historiadora. Adriana Romeiro é doutora em história pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
"O conceito de corrupção era muito mais abrangente e também incluía questões morais e religiosas. Mas, ao levantar toda a documentação em que os governadores são acusados de alguma prática ilícita, entre os séculos 16 e 18, descobri que não só já havia o conceito de corrupção como também englobava práticas que hoje associamos a isso, como tráfico de influência, nepotismo, favorecimento e abuso de autoridade. As práticas que vemos hoje na política brasileira já remontam ao século 16.' DIZ ELA.
E o que essa documentação aponta?
Descobri o enriquecimento ilícito de governadores, autoridades e políticos. Mem de Sá (governador-geral do Brasil entre 1558 e 1572), por exemplo, já era acusado de enriquecimento ilícito. No Rio de Janeiro, dizia-se que os mercadores de escravos que saíam da África e seguiam para o Rio da Prata e tinham que parar no Rio para abastecer já sabiam que tinham que pagar propina ao governador da capitania. Para que essas embarcações parassem na costa era exigido algum tipo de contribuição ilícita, como o direito de subir a bordo e escolher os melhores escravos.
Há outros corruptos que chamam a atenção?
Dedico uma parte do livro a dom Lourenço de Almeida, que governou Minas entre 1720 e 1732. Ele era acusado de ter constituído fortuna a partir do ouro e diamantes por meio de práticas ilícitas. Em pouco tempo estava riquíssimo, com mais de 100 contos de réis, que era um valor considerável para a época. Encontrei o testamento dele em Portugal e o inventário. Com base na reconstituição do patrimônio, consegui identificar o enriquecimento ilícito, dando razão às sátiras que já denunciavam isso. Havia dois tipos de requisitos para que a pessoa pudesse roubar sem ser importunada no Brasil colônia. Ela deveria agir com discrição e respeitar determinados limites. Dom Lourenço transgrediu tudo isso e chegou a extrair diamantes sem notificar a Coroa.
O que vemos hoje é a multiplicação de políticos como dom Lourenço?
Nem dom Lourenço chegaria a tanto como chegaram Bolsonaro, seus filhos e os deputados do centrão. numa indiferença própria da nossa classe política desde o século 16.
Pela corrupção, nossas elites puderam de alguma forma garantir os interesses econômicos e políticos e participar do jogo político e do processo de colonização. Através de tretas e manhas, homens comuns ascenderam socialmente e adentraram as elites. Foi isso que deu flexibilidade ao império português, fazendo com que ele durasse tantos anos. Se a política da Coroa fosse implantada de forma inflexível, muito rígida, o Império não teria resistido. A corrupção teve efeito benéfico e positivo para Portugal e, por isso, essa tolerância da Coroa em relação às práticas ilícitas das nossas elites.